Partido e classe trabalhadora - Anton Pannekoek (dois textos) - 1936


Abaixo a tradução de dois textos com o mesmo título:


Na edição número 11 de Raden-korrespondentie foram publicados, como material de discussão, observações e pensamentos sobre o artigo “Rumo a um novo movimento dos trabalhadores”1 que nos são úteis para para um melhor esclarecimento de nossos conceitos. Vemos tomar forma um novo movimento dos trabalhadores; o velho movimento se encarna em partidos; a crença em partidos é o grande estorvo que agora torna a classe trabalhadora impotente. Portanto, evitamos a formação de um novo partido; não porque sejamos poucos – todo partido deve começar pequeno – mas porque um partido neste momento significa uma organização que quer dirigir e dominar a classe trabalhadora. Frente a isso, contrapomos o seguinte princípio: a classe trabalhadora só poderá levantar-se e triunfar se ela tomar a sua sorte em suas próprias mãos. Os trabalhadores não devem credulamente adotar as palavras de ordem de um outro, de um grupo, tampouco as nossas, mas pensar por si próprios, agir por si próprios, decidir por si próprios. Portanto, consideramos como seu órgão natural de esclarecimento hoje em dia os grupos de trabalho [werkgroepen], a organização de estudo e discussão autoconstituída, que busca o seu próprio caminho. 
Esta concepção está na mais aguda contradição com os conceitos predominantes sobre o papel do partido como o órgão mais importante para trazer esclarecimento no proletariado. Portanto, ela entra em choque com a posição de muitos, mesmo em círculos que não querem mais saber do partido socialista ou comunista. Em parte isto se deve à força da tradição; como as pessoas sempre consideraram a luta dos trabalhadores como luta do partido e luta entre partidos, é muito difícil ver o mundo sem nada mais além do ponto de vista da classe e da luta de classes. Mas em parte também se deve à consciência de que, apesar de tudo, o partido tem de desempenhar um papel essencial e importante na luta de liberação do proletariado. Queremos agora considerar isto mais atentamente. 
A diferença que está aqui em questão pode ser resumida como segue: um partido é um agrupamento em torno de concepções, uma classe é um agrupamento em torno de interesses. O pertencimento à classe corresponde ao papel no processo de produção, que traz consigo determinados interesses. O pertencimento ao partido baseia-se na associação de pessoas que possuem concepções semelhantes em relação a questões sociais importantes. 
Anteriormente se pensava que esta contradição desapareceria no partido da classe, o “partido dos trabalhadores”. Quando do surgimento da social-democracia parecia que este partido gradualmente abrangeria toda a classe trabalhadora, parte como filiados, parte como apoiadores. E aqui diz a teoria que interesses semelhantes necessariamente implicam concepções semelhantes e objetivos semelhantes, que a diferença entre classe e partido desaparece cada vez mais. O desenvolvimento histórico mostrou na verdade coisas muito diferentes. A social-democracia permaneceu como minoria, outros grupos de trabalhadores se organizaram contra ela, facções geraram dissidências, mudaram sua natureza, seus pontos programáticos foram revisados ou adquiriram outro sentido. O desenvolvimento da sociedade não seguiu em linha reta, mas em luta e contradições. Com o crescimento da luta dos trabalhadores cresceu também a força do oponente, o que lançou novas incertezas e dúvidas nos corações dos lutadores a respeito do caminho que eles têm de escolher. 
E cada dúvida ocasiona dissidências, contradições internas e luta de direção no movimento dos trabalhadores. 
Estas dissidências e lutas de direção não devem ser simplesmente lamentadas como algo danoso que não deveria ocorrer e que torna os trabalhadores impotentes. Já foi dito nestes escritos: a classe trabalhadora não está enfraquecida porque está internamente dividida, mas ela está internamente dividida porque está enfraquecida. 
Como o poder do adversário é enorme e os velhos métodos contra ele parecem falhar, a classe trabalhadora deve buscar novos caminhos para si. O que ela deve fazer não pode ser dado como uma iluminação que vem de cima. Ela deve conquistar a consciência através do trabalho árduo, do trabalho intelectual, do choque de idéias opostas, da dura luta das idéias. Ela deve procurar o seu caminho por si mesma, e para isso serve a luta interna. Ela deve abandonar os velhos pensamentos e ilusões e encontrar novos caminhos, e justamente porque isto agora é tão difícil é que a divisão é tão grande. Não se deve acalentar a ilusão de que esta aguda luta de partido e opinião somente seja natural nesta fase de transição, e que mais tarde surgiria uma grande unidade. Certamente, no desenvolvimento da luta de classes ocorrem ocasiões nas quais, de repente, todas as forças se concentram para uma conquista significativa e alcançável, e a revolução é impulsionada por uma poderosa unidade. Mas então, como em toda vitória, imediatamente sobrevêm as diferenças de opinião em relação aos demais objetivos. Mesmo quando a classe trabalhadora luta com sucesso, ela ainda está diante da tarefa mais difícil, a derrubada do adversário, a construção da produção, a criação de uma nova ordem. É impossível que todos os trabalhadores, todas as camadas e grupos, com seus interesses ainda frequentemente diferentes, pensem e sintam exatamente o mesmo, e estejam imediata e naturalmente unidos em outros assuntos. 
Justamente porque eles próprios devem levá-las a cabo, as mais agudas diferenças de opinião devem surgir, em luta, assim levando o pensamento ao esclarecimento com maior rapidez. 
Se, no entanto, pessoas com as mesmas visões básicas se juntam para discutir as oportunidades práticas, para o esclarecimento através da discussão, para propagandear suas concepções, então também pode-se chamar estes grupos de “partidos”. O nome não importa; o essencial é que, de fato, estes partidos desempenhem um papel completamente diferente daquele que os partidos de hoje reclamam para si. O ato, o agir, a luta material é assunto da própria massa dos trabalhadores, em sua totalidade, em seu agrupamento natural como efetivo de fábrica, porque esta é a unidade na luta prática, ou em outros agrupamentos naturais. Seria insensato se os apoiadores do ponto de vista de um partido entrassem em greve e os apoiadores de outra corrente continuassem trabalhando. Mas ambas as correntes defenderão, através de seus apoiadores em reuniões de fábrica, o seu ponto de vista sobre fazer ou não fazer greve, e assim todos tornam possível a tomada de uma decisão bem fundada. A luta é tão grande, o inimigo tão poderoso, que somente a força da massa em sua totalidade pode brigar pela vitória; forças materiais e morais do ato, da unidade, do entusiasmo, mas ao mesmo tempo a força mental da compreensão, da clareza. E aí está o grande significado destes partidos ou grupos de opinião, que eles tragam este esclarecimento advindo de sua luta recíproca, sua discussão, sua propaganda. Eles são os órgãos do esclarecimento autônomo da classe trabalhadora, através do qual ela encontra por si mesma o caminho para a libertação. 
Daí que os partidos e suas concepções não são fixos e imutáveis. Em cada situação, em cada nova tarefa da luta os espíritos devem se separar e unir; outros grupos se formam com outros programas. Eles têm um caráter cambiável, e se adaptam às novas situações. 
Os partidos dos trabalhadores de hoje têm um caráter completamente diferente. 
Eles, na verdade, têm também um outro objetivo; eles querem conquistar a dominação para si. Eles não querem ser uma ferramenta da classe trabalhadora para a sua libertação; eles querem eles próprios dominar, e dizem que isso seria a libertação do proletariado. 
A social-democracia, que cresceu no tempo do parlamentarismo, pensa esta dominação como um governo de uma maioria parlamentar. O partido comunista realiza a dominação do partido até as últimas consequências (como ditadura do partido). 
Tais partidos, ao contrário do dito acima, devem ser corpos rígidos, que se delimitam nitidamente, através de livros de filiações, estatutos, disciplina de partido, regras de inclusão e exclusão. Porque eles são aparatos de poder, lutam pelo poder, mantêm seus apoiadores sob sua influência através de meios de poder, e tentam continuamente ampliar seu tamanho e seu campo de poder. A sua tarefa não é nutrir os trabalhadores em direção ao pensamento autônomo, mas adestrá-los como apoiadores crédulos de sua doutrina. Enquanto a classe trabalhadora, então, para o desenvolvimento de seu poder e para a sua vitória, tem necessidade da mais ilimitada liberdade de desenvolvimento intelectual e de discussão, a dominação do partido deve tentar suprimir todas as visões diferentes da dele. Nos partidos “democráticos” isto acontece de forma mascarada, sob a aparência de liberdade, nos partidos ditatoriais isto aconteceu através da supressão aberta e brutal. 
Já há muitos trabalhadores que vêem que a dominação do partido socialista ou comunista seria somente uma forma mascarada da dominação de uma classe burguesa, onde a exploração e subjugação da classe trabalhadora continua existindo. Mas, todavia, em sua opinião deve ser construído agora um “partido revolucionário” que realmente busque a dominação pelos trabalhadores e queira alcançar o comunismo. 
Não um partido no sentido que descrevemos na primeira parte, um grupo de opinião que somente traz esclarecimento, mas um partido no sentido atual, que luta pelo poder, que como vanguarda da classe, como organização da minoria revolucionária consciente, conquista a dominação do partido para usá-la para a libertação da classe. 
Em contrapartida, afirmamos: na expressão “partido revolucionário” já está contido um conflito interno. Um tal partido não pode ser revolucionário. Ou seja, não se pode chamar de revolução uma troca de governo com um pouco de violência – como por exemplo o começo do Terceiro Reich. Quando falamos de “revolucionário” ainda nos referimos naturalmente à revolução proletária, a tomada do poder pensada pela classe trabalhadora. 
O “partido revolucionário” é baseado na suposição de que a classe trabalhadora precisa de um grupo de líderes para derrotar a burguesia por eles e formar um novo governo – em outras palavras, que a própria classe trabalhadora ainda não está preparada para a revolução. 
Eles se baseiam na suposição de que estes líderes então, através de medidas legais, implantarão o comunismo - em outras palavras, que a própria classe trabalhadora ainda não está preparada para gerir e organizar o seu trabalho e a sua produção. 
Contudo, não estão estas suposições, por ora, corretas? Já que neste momento a classe trabalhadora como massa não se mostra preparada para a revolução, não seria portanto necessário que neste momento a vanguarda revolucionária, o partido, a faça por eles? E isso não seria válido, uma vez que as massas suportam passivamente o capitalismo? 
Diante disso, a pergunta deve ser posta: qual poder poderia um tal partido desenvolver para a revolução? Como está ele preparado para derrotar a classe capitalista? A única maneira, é se a massa estiver atrás dele. A única maneira, é com o levante das massas e através do ataque de massas, luta de massas, greve de massas, derrubar a velha dominação. Portanto, sem a ação das massas isso está fora de questão. 
Então, duas coisas podem acontecer. Na primeira hipótese, as massas permanecem em ação. Eles não vão para casa para deixar o governo para o novo partido. Eles não se acomodam quando o novo governo permite que o poder de decisão dos capitalistas sobre a produção continue, esperando que os trabalhadores voltem ao trabalho, em termos acordados entre sindicatos e empresários. Ou quando as empresas são estatizadas e é empossada uma nova diretoria que, junto com os sindicatos, prescreve salários e condições de trabalho. Eles organizam seu poder para manter a empresa em movimento... 
Eles organizam seu poder em fábricas e oficinas, eles se preparam para a luta adicional para a vitória completa sobre o capital. Eles constituem através dos conselhos de trabalhadores uma forte ligação, para deste modo tomar nas mãos a liderança de toda a sociedade – em resumo, eles provam que não eram totalmente incapazes para a revolução como parecia. Então, deverão necessariamente surgir conflitos com o partido, que quer ter a dominação em suas próprias mãos, e que com sua doutrina que diz que o partido deve ser o líder da classe, só pode ver transtorno e anarquia nesta autogestão. Pode então acontecer que o movimento da classe trabalhadora se torne poderoso e desloque o partido. Ou, ao contrário, o partido poderia, com a ajuda de elementos burgueses, subjugar os trabalhadores. Mas em ambos os casos o partido é então um obstáculo para a revolução. Porque eles querem ser mais do que um órgão de propaganda e esclarecimento. Porque ele como partido quer dominar, e acredita dever dominar. Na segunda hipótese, as massas de trabalhadores seguem a doutrina do partido e deixam para ele a condução das coisas; elas seguem as palavras vindas de cima, confiam no novo governo (como na Alemanha em 1918), que alcançaria o socialismo ou comunismo, e vão para casa ou ao trabalho. Imediatamente a burguesia coloca em ação a sua força de classe, da qual as raízes ainda estão intactas: seu poder financeiro, seu enorme poder intelectual, seu poder econômico em fábricas e grandes empresas. 
Contra isso o partido no governo é muito fraco; ele só pode manter-se através de moderações e concessões. 
Então se diz que no momento nada mais se pode conseguir, e que é uma insensatez querer continuar a insistir com os desejos não satisfeitos dos trabalhadores. 
Assim o partido, sem a força das massas de uma classe revolucionária, se torna a ferramenta da conservação da sociedade burguesa. 
Dissemos acima que um “partido revolucionário” é uma contradição interna no sentido da revolução proletária. Pode-se dizer de outra forma: na expressão “partido revolucionário”, “revolucionário” ainda denota uma revolução burguesa. Sempre que as massas agem para derrubar um governo e então deixar a dominação a um novo partido, temos uma revolução burguesa, a substituição de uma classe dominante por uma nova e fresca classe dominante. Assim foi em Paris em 1830 com a burguesia comercial no lugar da posse da terra, em 1848 com a burguesia industrial no lugar da burguesia comercial, em 1870 com a aliança entre pequena e grande burguesia. Assim, na revolução russa, o partido-burocracia como classe governante veio a dominar. Mas na Europa Ocidental e na América a burguesia está muito mais poderosamente ancorada em empresas e bancos, de forma que ela não se deixa deslocar por um partido burocrata. Ela só pode ser derrotada através, mais uma vez, de um apelo às massas, se estas controlassem as empresas e construíssem sua organização em conselhos. Mas então é mostrado mais uma vez, ainda, que a verdadeira força repousa nas massas, que no ato autônomo progressivo derrota a dominação do capital. 
Portanto, aqueles que sonham com um “partido revolucionário”, aprenderam apenas uma lição parcial e limitada do desenvolvimento, que já não é mais válida. Já que os partidos dos trabalhadores, o SDAP, o CP e o RSAP2 tornaram-se órgãos de conservação da dominação burguesa, eles inferem que eles devem fazer melhor. Eles não vêem que por trás do fracasso destes partidos reside um conflito muito mais profundo, ou seja, o conflito entre a autoliberação da totalidade da classe por forças próprias e o apaziguamento da revolução por uma nova dominação benevolente para com os trabalhadores. Eles acreditam que são uma vanguarda revolucionária, de onde vêem as massas sem atividade, indiferentes. 
Contudo, as massas estão inativas porque elas ainda não vêem com clareza o caminho da luta, a unidade da classe, e instintivamente pressentem tanto o enorme poder do adversário quanto a enorme grandeza de sua própria tarefa. Uma vez que as circunstâncias as impulsione ao ato, então elas devem assumir esta tarefa, a da auto-organização, da tomada dos meios de produção, do ataque ao poder econômico do capital.  E então se torna visível que esta assim chamada vanguarda, que arrasta as massas atrás de seu programa através da condução e controle de um “partido revolucionário”, justamente por causa desta concepção, prova que é reacionária.

Traduzido por Daniel Cunha Título original: Partij en arbeidersklasse Publicado originalmente no jornal do GIC (Grupo de Comunistas Internacionais), IX, no. 1, janeiro 1936, p. 6-10.

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Texto de Pannekoek, de 1936, que critica a ideia de partido e a ideia leninista de "vanguarda de revolucionários profissionais" por serem formas de destruição da luta de classes, de supressão da luta autônoma dos trabalhadores

[Texto publicado no site Biblioteca Virtual Revolucionária em agosto de 2000]

No momento atual, em que a crença no partido tornou-se um freio para a capacidade de acão da classe operária, criar um novo partido só pode ter como finalidade dirigir e dominar o proletariado. Faz-se necessário distinguir: a) o partido é uma organização construída em torno de certas idéias políticas; b) a classe é um agrupamento baseado em interesses materiais comuns. Pertencer a um partido significa ligar-se a um grupo de pessoas que mantém pontos de vista semelhantes nas questões políticas. O pertencimento à mesma classe é determinado pela função desempenhada na produção, função que cria e desenvolve a consciência dos interesses comuns. Mais do que nunca, a classe operária somente poderá afirmar-se e vencer com a condição de assumir o seu próprio destino.

Durante o período do desenvolvimento dos partidos operários, difundiu-se a ilusão de que esses partidos poderiam englobar todos os trabalhadores, seja como militantes ou como simpatizantes. Acreditava-se estar superando a diferença entre classe e partido. Mas o partido continuou sendo uma minoria e, além disso, começou a ser alvo das críticas de outros grupos operários, conheceu várias rupturas, enquanto seu caráter experimentava freqüentes mudanças e seu programa era revisado ou interpretado em um sentido diverso.

Os programas dos partidos operários apresentavam a revolução social como o resultado final da luta de classes. A vitória dos operários sobre o capital significaria a criação de uma sociedade livre e igualitária, socialista ou comunista. Mas, enquanto durasse o capitalismo, a luta não podia superar o marco das necessidades imediatas e da defesa do nível de vida. O parlamento era o lugar no qual se enfrentavam as diferentes classes sociais: grandes e pequenos capitalistas, latidundiárlos, camponeses, artesãos, operários, cujos interesses específicos eram defendidos por seus deputados. Todos lutavam para aumentar sua parte no produto social. Assim, a função do partido operário consistia em atuar no parlamento de modo a representar os interesses dos trabalhadores, que, em troca, forneciam-lhe os votos necessários para aumentar sua influência política.

Quando um partido operário tem muitos deputados, alia-se com outros partidos contra as formações políticas mais reacionárias, para formar uma maioria parlamentar. Uma vez instalados, os representantes se tornam incapazes de atuar em defesa dos reais interesses dos trabalhadores. Na prática, a maioria parlamentar continua pertencendo às classes exploradoras. Os eventuais ministros - socialistas ou comunistas, tanto faz - inclinam-se diante dos interesses do capital: propõem medidas para satisfazer as reinvindicações imediatas dos trabalhadores e pressionam os demais partidos para que as façam adotar, convertendo-se em mediadores que se dedicam a convencer os trabalhadores de que tais pequenas reformas são conquistas importantíssimas, desviando-os da luta de classes.

Os partidos operários só tem um objetivo: tomar o poder e exercê-lo. Não contribuem para a emancipação do proletariado, pois sua meta é governá-lo. Mas apresentam seu domínio como se fosse a autêntica emancipação do proletariado. Tais partidos são aparelhos que lutam pelo poder e, após enquadrar os militantes na linha justa, utilizam todos os meios, visando à constante expansão de sua esfera de influência.

O partido operário de tipo leninista tem como fundamento a idéia de que a classe operária necessita de um grupo de dirigentes capazes de expropriar os capitalistas em seu nome e em seu lugar, e , portanto, de constituir um novo governo. Isto é, a convicção de que a classe operária é incapaz de fazer a revolução. Segundo esta concepção, os chefes criam a sociedade comunista por decreto.

Lênin (Que Fazer? -1902), inspirando-se em Kautsky, propõe a criação de um partido de vanguarda, formado por "revolucionários profissionais" e rigidamente centralizado, sob a direção dos intelectuais. A divisão do trabalho, tão eficaz e racional na organização capitalista da produção, tem sido o modelo da concepção leninista da organização revolucionária, que subordina os operários aos intelectuais, atribuindo a estes a função dirigente. O resultado é que, logo após a revolução, a "eficacia" do partido leninista, que até então se limitara a aparelhar as organizações de massas, se extende e se afirma como "ditadura do proletariado". Uma nova classe dominante, os tecnoburocratas ou gestores, assume o poder em nome do proletariado e mantém, no essencial, as relações de produção/exploração capitalistas, mudando apenas sua forma superestrutural ou jurídico-política: o capitalismo de mercado se transforma em capitalismo de estado.

A expressão "partido revolucionário" é, pois, uma contradição nos seus termos. Um partido seria revolucionário se o termo revolução significasse troca de governo ou, no máximo, tomada do poder por uma nova classe exploradora e opressora.

A alternativa é: a) as massas trabalhadoras, sem deixar o terreno livre aos partidos, continuam a sua luta: organizam-se autonomamente, nas fábricas e oficinas, para destruir o poder do capital e formam os conselhos operários - entrando, inevitavelmente, em conflito com o 'partido revoluclonário', que considera a ação direta do proletariado um fator de desordem. Ou então, b) as massas trabalhadoras se adaptam à doutrina do partido, entregam-lhe a direcão da luta, seguem obedientemente suas palavras de ordem e, por fim, convencidas de que o novo governo abolirá as relações de produção capitalistas, voltam à passividade. Abandonando a iniciativa ao partido, os trabalhadores permitem que o inimigo de classe mobilize todas as suas forcas (econômica, política, Ideológica e militar) e derrube o novo governo ou o adapte a seus interesses, transformando-o em instrumento de conservação das relações de produção capitalistas.

Todas as vezes em que as massas trabalhadoras, após derrubar um governo, aceitaram ser novamente governadas, por mais revolucionário que se pretendesse o partido ao qual entregaram o poder, o que aconteceu foi a substituição de uma classe dominante por outra. Assim ocorreu com a revolução russa, quando o partido bolchevique apoderou-se dos sovietes e, através de um golpe de mão, tomou o poder e implantou o capitalismo de estado.

É cada vez mais evidente que qualquer suposta vanguarda que pretenda, de acordo com seu programa, dirigir ou impor-se às massas, por meio de um 'partido revolucionário', se revela na prática, um fator reacionário, em razão de suas concepções. (fine)

Anton Pannekoek, março de 1936
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Continuação das reflexões desses textos por Paul Mattick: https://sobtempoeareia.blogspot.com/2025/11/o-partido-e-classe-trabalhadora-de.html?m=1

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